sábado, 19 de dezembro de 2009

Por que cagam tanto os espanhóis?

Olha, vocês me desculpem a grosseria, mas logo vão ver que não se trata do que estão pensando. Em tempos de Natal na Catalunya (e sobretudo em dias de limpeza hepática!), o tema “cagar” vira uma verdadeira obsessão para todos os lados.

Normalmente, no dia-a-dia, os espanhóis se cagam em tudo. Se estão de mau-humor se cagam no leite, no mar, na sua mãe, na sua família inteira (ou na própria), e ainda tem os mais hereges que resolvem chocar cagando na hóstia consagrada, na Virgem Maria ou em Deus. O nosso tradicional PQP e outras expressões típicas de explosão de nervos ou de simples desabafo, aqui viram um “me cago en la leche!”, “me cago en ti!” e por aí vai descendo a ladeira à medida que cresce a gravidade do assunto.

Além disso tb usam o verbo cagar para outros significados, como estragar alguma coisa, se acovardar, errar feio, ou para adjetivar uma coisa muito boa: “un coche que te cagas”.  E esses você encontra no dicionário da Academia Real de Letras! Tá certo que em português a gente também usa essa expresssão com alguns desses significados, mas o negócio aqui não fica só nisso…

No Natal da Catalunya, uma coisa que acho fantástica é que quase não se vê a figura do Papai Noel. Aqui eles levam muito mais à sério a tradição cristã da data do 25 de Dezembro como dia de nascimento de Jesus. E os presépios são super tradicionais. Vários tipos, inclusive com várias cenas, muitas delas de cotidianos campesinos. E é aí que entra a primeira bizarrice escatológica natalina: o Caganer, que é uma figurinha quase sempre presente nos presépios, que aparece em algum cantinho agachada cagando!!! Uma justificativa que dá a Wikipedia, que eu acho que é queixo para explicar essa cagada sem explicação, é que alguns sugerem que o ato de deixar fezes no solo representa uma fertilização deste (!!!). Me poupe! A coisa é tão séria que já se fazem caganers com carinhas de personalidades famosas local e mundialmente. Olha só quem encontrei cagando por aqui…. A pergunta é: fazendo merda ou fertilizando???



Seguindo com a caganeira… o dia de presentear aqui não é na Noite de Natal e sim na Noite de Reis (06/01), que é quando os Reis Magos visitam Jesus e lhe presenteiam. O que aqui acontece na noite de Natal é uma ceia com a família e, para as crianças, a brincadeira é uma outra esquisitice chamada Caga Tió, que é um pedaço de tronco com carinha e patinhas. Olha que simpático:



No dia da Imaculada Conceição, 08/12, os bichinhos são feitos ou comprados e as crianças, desde então até a noite de 24, o alimentam, põem uma mantinha para ele não ficar com frio, enfim, fazem dele seu Tamagoshi. Na noite de Natal os adultos dão às crianças bastões de madeiras, que devem ser aquecidos na cozinha ou em outro cômodo, para fazer o Tió cagar doces, balas, guloseimas em geral. Enquanto saem os guris, os adultos levantam a mantinha e escondem tudo embaixo do pobre do tronco sem que a criançada se dê conta. Quando retornam, começa a sessão tortura com a criaturinha que foi cuidada com tanto amor e interesse durante os 16 dias anteriores. Com os bastões as crianças judiam, espancam, torturam o coitado do Tió cantando:

Caga tió
ametlles i torró
(amêndoas e torrones)
no caguis arangades (não cagues arenques – um tipo de massa)
que són massa salades (que são muito salgadas)
caga torrons
(cague torrones)
que són més bons
(que são mais gostosos)
Caga tió
ametlles i torró
(amêndoas e torrones)
si no vols cagar
(se não queres cagar)
et donaré un cop de bastó
(te darei um golpe de bastão)
Caga tió! 



A criatura nem tem chance de escolher se vai cagar ou não. Apanha de qualquer jeito. Quando acaba a musiquinha se tira a mantinha e lá embaixo do Tió estão todas as guloseimas cagadas, que são afoitamente devoradas sem direito a uma assepsia prévia. Quando uma criança se dá conta que não é o tronquinho que caga e sim a mamãe que pôs o docinho ali, se produz uma decepção semelhante à descoberta que Papai Noel não existe. Que coisa, hein?


Perguntei a uma catalana o por quê dessa aficção no cocô. Ela deu de ombros e me disse: "É que somos escatológicos mesmo"! Bom… se ela diz… quem sou eu para discutir?

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Brrrrrrrrr....

Ok, ok… muitos de vocês que estão aí no hemisfério sul vão me dizer que gostariam de estar aqui no meu lugar, mas na moral… passar frio é ruim demais. Ainda estamos no fim do Outono e as temperaturas já anunciam o que vem pela frente. Para uma baiana nascida e criada em uma cidade onde só existem duas estações (sol e chuva), vivenciar as mudanças de estações de verdade tem sido, no mínimo, interessante.

Cheguei num fim de inverno, vi o início da primavera – a cidade pouco a pouco se enchendo de flores, ficando colorida, o calorzinho se aproximando, os corações se aquecendo; passei pelo verão – calor infernal, até o limite do suportável, pessoas eufóricas e com pouca roupa (ou nenhuma, em algumas praias); conheci o outono – desses com folhinhas de vários tons de amarelo e marrom, princípio do recolhimento da cidade pós festas de fim de verão; e agora tô prestes a ver o que é inverno de verdade (inverno da Espanha, é claro).

Essas mudanças de temperatura, paisagem e humores trazem ao ano um colorido que até então desconhecia. Parece que fica mais curto quando é tão bem divididinho. A mim as mudanças que cada estação imprime no cotidiano, tanto comportamentais quanto psicológicas, dão a sensação de que o dia-a-dia corre menos risco de cair na rotina, de tornar-se entediante. Será? Ou é só uma visão romântica de estudante internacional de primeira viagem? O fato é que é tá tudo novo para mim: o rodízio das peças de roupa no armário (até março as camisetas podem ficar estocadas), as alterações na alimentação (adeus ao gazpacho e “veeeenha!” ao chocolate quente!!), as horas necessárias de sono (de 9 para lá!), o ritual antes de sair de casa (bota, casaco, outro casaco, luva, cachecol, gorro), o desespero na hora de sentar na privada gelada (veeelho… que horror!)…

O presentão que ganhei com a chegada do frio foi um espetáculo natural na minha janela, toda tarde. À hora do pôr-do-sol se pode escutar, em cada canto da cidade onde haja uma árvore, uma legião de passarinhos loucos gritando. De frente para janela do meu quarto tem uma dessas. Acho que eles fazem festa porque gostam do frio. Se encontram, batem o maior papo, combinam a coreografia e então começam a dançar. Desfrutem de um pouquinho del Baile de los Pajaritos desde mi ventana!








quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

<3 MPB <3

Hoje tive um amostra daquela sentimento nostálgico-patriota que ataca todo aquele se passa um tempo longe do seu país e tem a oportunidade de vê-lo de longe e compará-lo um monte de novas referências.

Conversando com um colega colombiano sobre amenidades surgiu o tema da imagen feminina vulgarizada e sei lá por quê (aliás… graças a um papo virtual inacreditável com JR!...kkk) me veio logo à mente imagens das bundas do É o Tchan! Como um bom latino, o cidadão ficou super interessado em conhecer o produto descrito. Acabada a janta corremos pro You Tube (ave You Tube!) e tive o desprazer de encontrar algumas pérolas medonhas, como um programa do Sílvio Santos no qual a banda e as dançarinas ensinavam a um grupo de crianças a dançar na boca da garrafa… sem comentários (pq senão acabo mudando o tema do post).

Bom… Depois de tamanho deserviço me senti obrigada a mostrar um pouquinho mais do que temos na música brasileira. Pegando o gancho do pagode, comecei a mostrá-lo algumas coisas de samba (tão famoso e adorado pelos europeus) e suas variações, até onde minhas limitações me permitiram, é claro. Passei por Paulinho da Viola, Clara Nunes, Beth Carvalho, Riachão, alguma coisa de escola de samba do Rio, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal e umas porcarias aí, só para mostrar as diferenças. Depois, sem critério metodológico algum, apenas guiada pela emoção, acabei pulando para Elis, Bethânia, Gal, Doces Bárbaros, Chico, Tom, Vinícius, João Gilberto, Mutantes (sempre cantando tudo junto com muita intensidade...rsrsrs), coisas da Jovem Guarda, Marisa Monte, Maria Rita, Paralamas, Engenheiros, Legião, Calypso (kkk!), voltamos à Bahia com o arrocha (uhu!), depois Daniela Mercury, Brown, Ivete e acabamos no Chicletão! Um percurso para lá de inusitado, mas delicioso de ser exibido como novidade.

Isso tudo deve ter levado no máximo 1h e meia. Nesse tempo me vi tão feliz, tão orgulhosa de estar apresentando a nossa variedade musical… (até mesmo o lixo!). Principalmente pelas reações dele, que já conhecia alguma coisa da música brasileira, mas não tinha a dimensão dessa riqueza… Achou até que eu era grande conhecedora do tema e ficou impressionado quando falei que o que sei e me limitei a mostrar era muito básico.

Saí de lá feliz, cantarolando “Agnus Sei”, “Eu te Amo” e “Olhos nos olhos”, até que cheguei em casa. Sem pestanejar me pus a baixar músicas que me dei conta que ainda não tinha no computador e que considero fundamentais para a vida de qualquer um que descobre que a nossa música é a melhor do mundo.

Aaaaaaaah... eu acho!! Rs.

domingo, 22 de novembro de 2009

Fim de domingo em 7 notas

(Dó) Faz mais de um mês e meio que postei alguma coisa por aqui. Peço desculpas aos que gostam de acompanhar as novidades do lado de cá. Tenho uns 3 posts começados nesse meio tempo e ainda inacabados. É que as coisas andam meio assim, sabor de cabo de guarda-chuva, sabe como é? Tudo meio estranho, com muita oscilação e bem pouca reflexão. Nada digno de preocupação. Tampouco de emoção. Uma pausa.

(Ré) Hoje me peguei lembrando de uma situação qualquer minha em Salvador e por alguns segundos estive ali, vivendo aquele momento. Logo em seguida voltei ao presente e fiquei sem entender como vim parar aqui.

(Mi) Lembrar que a alimentação faz toda a diferença. Andei descurtindo a minha cozinha e me reconciliando com os industrializados. Faço isso público para ver se tomo vergonha na cara e volto a comer mais saudável. Essa farra, na qual impera absoluto o chocolate, me traz consequências diversas, dentre elas, tenho certeza, a que segue logo abaixo.

(Fá) Faz umas duas semanas que tenho tidos sonhos bem estranhos. Não é pesadelo não, mas também nada que me lembre com clareza no dia seguinte… Sempre acordo meio confusa, sem entender direito se era sonho ou realidade, uma sensação esquisita… sei lá.

(Sol) Esse fim-de-semana tive aqui em Tarragona a visita de duas colegas de Barcelona e, no papel de anfitriã, tive a grata confirmação de que gosto muito dessa cidade. Sinto que está na medida certa pro momento: nem mais nem menos. Outra hora falo mais dela. Agora não tô a fim. Mas já tem fotos no picasa, passa lá: www.picasaweb.com/acclira

(Lá) Acabo de descobrir uma banda portuguesa muito bacana e é ela que agora embala esse post desnorteado: Deolinda! (hahahaha!!!). Uma releitura do tradicional fado, feita por uma banda jovem e mesclada com um monte de outras referências musicais. Quem tiver interesse dá uma olhada aí que o som é gostoso… http://www.deolinda.com.pt. Gosto em especial dessa música cujo vídeo coloquei logo aí abaixo.

(Si) … Nota que leva aos pensamentos inecessários. Melhor parar por aqui. Deixo vocês com Deolinda. Bona nit.


terça-feira, 6 de outubro de 2009

Contágio

Um colega me mostrou um vídeo esse fds que me fez pensar no poder que temos de contagiar as pessoas, as coisas, os lugares. Uma palavra, um olhar, um sorriso, uma lágrima, uma simples presença inerte tem a capacidade de promover uma mudança, da mais sutil, à mais absurda. Pensei no quanto meu mau-humor, meu estresse, minha agonia, podem pesar um ambiente. Na carona dessa reflexão, convido-os a sermos mais reponsáveis com o que levamos pros outros no nosso dia-a-dia.

Me sinto tão auto-ajuda ultimamente...kkkkk. Divirtam-se.


sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Façamos uma prece para N. Sra. do ELEA

02 de outubro de 2009. Aniversário de 10 anos do início de um evento que diz muito a alguns poucos e bons: O IX Encontro Latinoamericano de Estudantes de Arquitetura.

Pros que não sabem, resumidamente, esse evento aconteceu no Parque de Exposições de Salvador e reuniu cerca de 3.000 estudantes de arquitetura latinoamericanos, que lá se instalaram durante 1 semana comendo, dormindo e participando de atividades de naturezas diversas (e põe “diversas” nisso).

Na intenção de concretizar essa insanidade, alguns jovens (loucos ou visionários ou sonhadores ou desocupados ou todas as alternativas anteriores) se reuniram e trabalharam arduamente durante mais de um ano. Pelo menos esse foi o pretexto.

Pois bem… o IX ELEA passou. Com seus encontros e desencontros, lágrimas e sorrisos, frustrações e, sem dúvidas, grandes aprendizados. Deixou um sabor estranho na boca de cada um da comissão organizadora e aquela certeza de que, terminado o evento, estávamos, finalmente, preparados para começar a organizá-lo de verdade.

Normalmente neste parágrafo findaria o relato da breve história de uma comissão organizadora de encontros de estudantes. Felizmente este nao é o caso. Aqui que entra a sublime intervenção da N. Sra. do ELEA. E o que era pra ser um fim constituiu-se num lindo e frutífero começo.

Aquele grupo, incrivelmente heterogêneo, guiado por essa estranha força divinal, não apenas teve a capacidade de se manter coeso, como transformou-se numa espécie de teia, da qual poucos conseguiram se desvencilhar e acabaram ficando pelo caminho.

A PANELEA, apelido dado a esta teia por algum desocupado, ganhou vida própria. Deixou de ser apenas uma receita composta por ingredientes esquisitos e, como em um experimento de alquimia, fundiu-se num grande bolo. Justiça seja feita: um bolo nada perfeito. Às vezes “no ponto”, às vezes solado, às vezes delicioso, às vezes indigesto, umas vezes bem confeitado e outras feinho, coitado. Coisas da culinária.

Em meio a ENEAS, festas surpresas, Noites dos Embriagados, TFG’s, trabalhos e outros absurdos, arranjos e rearranjos aconteceram. Laços se fortaleceram, pactos não verbais foram firmados, amores surgiram e, olha, quem diria, casamentos inusitados aconteceram.

Há quem diga que a PANELEA só casa entre si… o problema é a quantidade de homens em relação a de mulheres… e os casos homosexuais nãao assumidos. (Ops! Para variar, o nível tinha que cair, né?).

Hoje esse grupo é mais do que foi no começo. Mais em número, pois também adquiriu a capacidade de se multiplicar, e mais em consistência, em compromisso, em companheirismo, em força, em fraternidade, mais em amor.

A PANELEA evoluiu para FAMÍLIA ELEA. E fazer parte dela é uma bênção, um presente ao qual devemos agradecer a cada dia.

Por isso convoco a vocês, meus amigos, meus cumpadres, meus irmãos, a fazermos hoje uma prece para N. Sra. do ELEA e agradecer por termos uns aos outros. Por termos com quem contar a qualquer momento, pro que for, em qualquer hora do dia. (É claro que respeitando os ritmos e limitações de cada um, o que já conhecemos muito bem, né verdade? haha)

Pois que sigamos adiante, fazendo história, falando besteira, promovendo parcerias e comemorações insosas.

Tenham um lindo dia.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A primeira vez que entrei no Mar Mediterrâneo

Não lembro a última vez que senti tanto prazer em tomar banho em águas salgadas.
Muito menos pela paisagem, que sim, era diferente de tudo o que conheço.
Muito mais por estar precisando do mar. E de paz.
Foi ali, na Praia do Milagre, que conheci Netuno.
Ele saiu do mar, se aproximou de mim e, trazendo uma ametista, disse que vinha para harmonizar minhas energias.
Diante do contexto, não havia como duvidar daquela aparição.
Tocou minha mão, minha fronte e, assim, foi capaz de me ler.
Sem entender bem o por quê, permiti que o Rei do Mar cumprisse a sua missão.
Ainda perplexa com as repostas do Universo, agradeci e me despedi.
Desde então, toda visita ao mar significa um reencontro com Netuno.

sábado, 26 de setembro de 2009

Outono no hemisfério norte.

É chegada a hora da paisagem verde ganhar tons de ocre. E os jardins, pouco a pouco,serem tomados pela ruidosa folhagem seca.

Na poesia, é comum associá-lo à morte ou à maturidade.

Eu o vejo como momento de transformação e preparação para a solidão.

Meu outono chegou na hora certa.

Minhas folhas, que se anteciparam perderam o viço antes da hora, já começam a cair.

Cada uma que cai, leva consigo um pouco do que não me serve mais nesta estação e agora são adubo pras próximas etapas.

Graças a elas, logo estarei exposta. E devidamente fortalecida pro temido inverno.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Recomeçando

Nesta segunda feira comecei uma nova etapa da minha estadia na Espanha, ops, na Catalunya. Agora vivo numa cidadezinha chamada Tarragona, a pouco mais de 1h de Barcelona, que possui lindas (e verdadeiras) praias, um centro histórico super rico da arquitetura romana e, aparentemente, de gente muito cordial. Divido apartamento com dois chilenos, Jordi e David, dos quais ainda não posso falar muito além da impressão de serem pessoas simpáticas e aparentemente bem organizadas. A razão da minha mudança é a escolha que fiz de estudar Antropologia Urbana na Universidade Rovira i Virgili – URV.

Pois bem… as aulas começaram na segunda mesmo e já me deparei com o desafio de ter que ler muito, estudar muito e escrever muito. Já sabia que seria assim, mas o meu ímpeto de começar as coisas nunca é tao realista quanto a realidade em si. Assim, nesses 3 longos dias tenho trabalhado arduamente a minha débil capacidade de concentração e a persistência.

Da tempestade de temas e sensações que tem me ocorrido desde que voltei, há uma semana, pras terras catalanas, sem dúvidas, aquele que mais tem me consumido é a constatação da minha dificuldade em estar só. Aquí em Tarragona recomeço um processo de enamoramento por uma cidade, de reconhecimento de territórios, de construção de laços, enfim, de adaptação. E desta vez sozinha. Não tem João, nem Eduardo, nem Grazi, nem niguém para me dar a dica do melhor mercado, do sistema de transporte ou do café mais bacana.
Na fantasia de quem idealizou esse momento solitário e romântico como um momento importante de recolhimento, de busca, de autoconhecimento, o fato de estar recomeçando soou extremamente estimulante, desfiador, uau! Ela só esqueceu que a sua maneira de lidar com os desafios náo é o que se pode chamar de tranquila. O desânimo, o choro, a ansiedade, mais choro, os florais misturados com um pouco mais choro serão sua companhia até que a transformação comece.

E logo virá, sabemos bem. Muita gente para conhecer, muita cultura nova pra assimilar, muitos costumes a serem adquiridos e muito tempo pela frente pra viver o inesperado.

E assim segue a busca.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Taficante de farinha

Mala de baiano que estuda no exterior, quando volta para Europa depois de um visita à terra natal, é um verdadeiro festival da culinária nordestina. Mesmo sabendo que é proibido transportar artigos alimentícios, ainda que nas malas despachadas, decidi seguir o exemplo da maioria dos brasileiros que conheço e trazer algumas “coisinhas” para fazer a alegria dos saudosos e preparar alguns quitutes baianos do lado de cá:

3kg de farinha de mandioca

2kg de goma para beiju

500ml de azeite de dendê

Cerca de 300g de camarão seco

1 pacote de doce de banana (daquele tijolão enrolado na palha)

37 caixinhas de Cocada Baianinha

1 pote de geléia da Chapada Diamantina

1kg de granola Tia Sônia (a melhor de todas!)

8 tubos de creme de cabelo (artigo de extrema necessidade)

Basicamente isso. Além, obviamente de roupas, calcinhas, sapatos, alguns livros e tudo o que malas comuns de viagem devem carregar.

Pois bem. Venho eu chegando, feliz e contente, no aeroporto de Barcelona, depois de uma viagem razoavelmente tranquila, quando um oficial desocupado, mas bem educado, me vê passando com as malas a uns 20m da porta de saída e resolve me tomar como passatempo:

“– Bom dia! Vêm de onde?”

“– Bom dia! Venho do Brasil.” ( xii…)

“– Por favor, passe as malas aqui no raio x”

“– Sim, claro!” (xiiii…)

E lá vou eu colocando as malas na esteira e pensando na cara que o cidadão faria quando visse o dendê e os camarões. Náo sei se por cansaço ou sei lá o quê, mantive a calma durante todo o tempo e pensei que o máximo que poderia acontecer era ele confiscar aquela feira toda e deixar minhas malas murchinhas.

Passa a primeira mala e ele olha para tela do raio x com uma cara intrigada:

“– O que a senhora leva aí?”

“– Hmm… é… sapatos, livros, cosméticos… e… algumas coisas de… é… ingredientes de comida típica da Bahia para alguns amigos” (xiiiiiii…)

“– …Passe a outra mala, por favor”

Olhou com a mesma cara, fez mais umas perguntinhas, mas se interessou por abrir a primeira, que era a menor de todas, mas pesava que era uma beleza. Não sem antes espancar a pobre da mala grande. Só depois entendi que estava averiguando se ela tinha um fundo falso.

Abri a mala e demos de cara logo com uma calcinha, o que já prenunciava meu constrangimento com toda aquela invasão. E lá foi ele futucando as coisas, olhando cada embalagem de creme, sacudindo, abrindo cada saquinho, isso tudo sem o menor cuidado de colocar nada no lugar. Até que chegou no fundo da mala, onde estava o que lhe interessava: as farinhas! Quando pegou o primeiro pacote, pensei logo “uhhh….me dei mal”. Calmamente perguntou:

“– Que é isso?”

“– Farinha de mandioca. É um artigo muito comum da Bahia, de onde venho, e serve para fazer comida”

O cidadão apertou, apertou, cheirou, tornou a apertar e largou. Ufa! Depois olhou com uma cara meio espantada pros outros dois pacotes iguais a este. Daí então partiu pro outro saco, onde estavam os pacotes de goma para beiju. Imagine a minha cara ao me dar conta que a goma é bem mais fininha e mais branca que a farinha de mandioca! Mais uma vez ele apertou, apertou, cheirou, mas agora com mais apreensão, o negócio era mais sério.

“– E essa? Para que serve?”

“– É um tipo de farinha para fazer o que chamamos de beiju” – e mostrei um rótulo no saquinho que explicava como preparar. “Se o senhor quiser pode abrir”.

Quando ele deixou a farinha de lado e continuou a mexer na mala lembrei do tijolo de doce de banana enrolado na palha e rezei para ele não encontrar. Pro meu alívio ele parecia se dar por satisfeito com as minhas explicações sempre bem simpáticas e tranquilas.

“– Mas para quê você traz tudo isso?”. Respirei fundo. Achei que ele fosse começar o fisco.

“– É que aqui tenho muitos amigos da mesma cidade que eu. Quando alguém viaja é normal pedir que tragam algumas coisas para preparar comidas típicas…”

Fim do interrogatório. Acho que convenci. Antes de me liberar deu mais uns socos da pobre mala grande, mas não me pediu que a abrisse (ufa! O dendê e o camaráo estavam nela!). Acho que foi por isso que a coitada nao resistiu e foi morrendo no caminho. Chegou em casa toda despedaçada.

sábado, 29 de agosto de 2009

COMUNICADO

Senhores,
A partir de hoje vejo o mundo com outros olhos.
De antemão confesso que o início tem sido meio conturbado e que não se vou conseguir me adaptar a essa mudança, ainda que esteja consciente da sua importância e necessidade.
As coisas andam meio estranhas... turvas, eu acho... mas, mesmo inconscientemente, me recusava a aceitá-las assim.
Já faz um tempo que venho fazendo um certo esforço pra enxergar tudo com mais clareza. Mas recentemente o quadro vem se agravando e cada dia vai ficando mais difícil focar, principalmente as situações mais próximas de mim, aquelas bem diante dos meus olhos.
Tanto esforço tem me dado dor de cabeça. Tem me feito chorar.
E só me dei conta de que precisava tomar uma atitude, só percebi que alguma coisa estava errada, quando um observador atento me questionou o por quê das rugas na minha fronte.
Daí tudo ficou claro...
Bastou ligar pro Dr. Otoniel e... batata!
" Bem-vinda ao clube dos hipermétropes-astigmáticos!"

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Coisas, Pessoas e Lugares


Você é sempre você?
Ou melhor... você consegue, sinceramente, ser a mesma pessoa em qualquer circunstância? Em qualquer lugar? Na presença de quem seja?
Tem certeza?
Quem é você?

Desculpa... é que eu não acredito nisso. Na verdade até seria capaz de apontar algumas pessoas que acredito que se encaixariam nesse perfil. Mas daí já seria eu falando do que acho que o outro seja... É que pra mim, pensar que, no fundo, no íntimo, ali naquele cantinho escondido do seu eu, uma pessoa tenha uma conduta sempre tão coerente me impressiona. Tudo bem... sei que é limitação minha.

É que tenho pensado muito no poder que as coisas, as pessoas e os lugares exercem sobre mim. Entende o que quero dizer? Falo das propriedades que cada um deles tem, de uma espécie de campo magnético inerente a cada matéria, que, ao entrar em contato com o meu campo magnético tem o poder de me transformar em alguma medida e causar um determinado efeito. É claro que nessa dinâmica físico-química (??!) o fator memória emotiva exerce total influência na vibração dos magnetismos. É viagem? Né não. Quem não sabe explicar, exemplifica. Então lá vai:

Afirmação n.1: das Coisas - Quando eu ponho o meu vestido florido me sinto mais leve que quando uso uma calça jeans.
Meu humor fica outro, juro. Provavelmente nesse caso o fator memória emotiva seja o principal atuante, uma vez que usar vestido florido me remete a fim de semana e não a trabalho.

Afirmação n.2: das Pessoas - Algumas pessoas têm a capacidade de mudar completamente meu estado de espírito.
Pro bom e pro ruim. Pessoas elétricas me deixam uma pilha. Gente mau humorada me leva junto. Por isso é que eu prefiro as leves. E as bem-humoradas. As que me fazem rir. E cada dia admiro mais as lentas.

Afirmação n.3: dos Lugares - Pra cada ambiente, uma Ana Carla diferente (hahaha...!).
Os significados dos lugares pra mim são o resultado da interação campo magnético X memória emotiva. E em cada um deles reajo de uma maneira. Em alguns lugares sou conhecida por ser zen e bem-humorada. Em outros meu mau-humor é insuportável. Um dia um colega do teatro me apelidou “a menina com cara de vento”. Na mesma ocasião em que um relacionamento afundava de tão pesado.

Por estas e tantas outras, meus caros, não consigo, e nem que quisesse, não poderia me definir por mim mesma. Se hoje me perguntassem quem eu sou, diria que depende do onde, do como e do com quem (e olha que optei por deixar de fora as variações de acordo com o dia do mês...).

Às vezes acho isso triste. Às vezes acho divertido. No fundo acho cansativo.

Pois bem... o lado bom de navegar no mar da inconstância é a riqueza de coisas, pessoas e lugares que me acontece. Viver me ajuda a compreender o que quero e o que não cabe mais. E quanto mais vejo, quanto mais sinto, quanto mais ana carlas sou, mais próxima estou de chegar aí nesse lugar que você está. Em terra firme. Pés bem plantados no chão e a serenidade de saber que a base de toda fortaleza se constrói com paciência e persistência.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Volver

Só volta pra um lugar quem foi pra outro lugar.
E este, quando volta, já não deve ser o mesmo que foi.
Sendo outro o que então retornou, que se pode dizer do seu lugar de origem?
Ainda será seu? Ou quando mudam os referenciais se inverte o trajeto?
Não... origem não se muda. Mas quando um vai e outro volta me parece natural que o ponto incial já não tenha um mesmo significado. Ou não?
E quando este torna a voltar pra onde volta? E quem volta?
Caminho cheio de voltas é caminho revisitado... rico em ângulos de visão.
Mas não deixa de ser caminho confuso.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Língua

"- Carla, lá na Espanha falam o quê? Inglês?
- Não, Dona Dira, espanhol.
- Ahhh... e o que é mais fácil? Inglês ou espanhol?
- Pra gente que fala português é mais fácil entender o espanhol.
- Que coisa, né? Todo mundo devia era falar a mesma língua, né não? Aí não ia ter essa complicação toda..."

Calei. Nunca tinha pensado nessa hipótese. Engraçado perceber que quanto mais informação, menor a capacidade de abstração. Naquele dia passei algumas horas pensando em como seria o mundo se todo mundo falasse a mesma língua. Pensei na colonização do Brasil, na argumentação dos índios durante uma tentativa de catequização. Pensei na relação da língua com a cultura de cada lugar e me apavorei com a idéia de uma globalização pré-histórica. Pensei nas origens dos sotaques. Cantarolei um trechinho da música "Língua" de Caetano e não consegui imaginar como ficaria a noção de pátria. Pensei na origem da lingua falada e nas múltiplas linguagens que o ser humano é capaz de desenvolver. E em mais uma meia dúzia de divagações até cansar e me distrair com alguma outra coisa.

Mas que viagem, Dona Dira!! Ói, me deixe, viu?...

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Fechar ciclos ou Abrir portas?

Sempre me custou um pouco fechar coisas. Em algum momento da vida comecei a estudar piano, violão, canto, flauta, dança flamenca, catalão, pratiquei basquete, natação, remo, musculação, aeróbica, yoga, meditação… O que todos estas atividades têm em comum? O fato de eu não ter dado continuidade a nenhuma delas depois do terceiro mês consecutivo de prática. Tem aquela que deixei na segunda semana, outra que resistiu até um mês, outra que até prolonguei por um ano, mas sempre dando um intervalinho básico. O curioso é que em todas elas, até onde me permiti ir, me senti bem e tive bom desempenho, com exceção bem grande do curso de catalão (ui!). Daí se pode concluir muitas coisas. Uma delas, é que não sou lá muito disciplinada e isso eu mesma já tinha contado aqui antes. Outra conclusão possível é a de que sempre quero muitas coisas, mas nunca sei na verdade para onde apontar. Ou que me entedio das coisas muito rapidamente. Ou que não tenho mais o que fazer e fico inventando arte (ihhh…acabo de lembrar da faculdade de teatro que também nao terminei…). Fico com a interpretação que diz que sou muito hábil em abrir portas, mas uma declarada incompetente em fechar ciclos.

Como boa pisciana nostálgica, pensar em terminar coisas já me dá aquela dorzinha de barriga que acusa o nervosismo. Só para se ter uma noção do tamanho da doença, tenho alguns livros lidos só até o início do último capítulo, alguns potes com cosméticos inacabados…hahaha…. E na vida prática, quando o fim é inevitável, é um tal de chororô, tristeza, melancolia, um vazio… vixe… uma presepada.

Por outro lado, começar coisas me excita na mesma proporção que me amedronta. E penso que por isso mesmo me instiga mais ainda. Quero, necessito, amo o novo. E de novo. E de novo. E sempre.

Hoje compreendo que essa inconstância faz parte de uma busca e que cada pecinha tem sua importância na construção de um caminho. O esforço então passa a ser o de construir um caminho feito de polilinhas fechadas… (hahaha… piada interna). Acho que depois que passei a enxergar isso passei a me expor cada vez mais a ciclos curtos. Em cada vez menos tempo faço cada vez mais coisas e, como consequência, sou obrigada a lidar com o fim delas.

Pois bem... esse post coroa mais um ciclo que se encerra. Também este post é parte de uma presepada nostálgica.

Em pouco menos de cinco meses conheci pessoas, me identifiquei, viajei, ri, me entediei, tentei fugir, chorei, resisti, sofri, disfrutei, me encantei. E me despedi. Alguns rostos seguramente não verei mais. Outros farei o possível para reencontrar. Com alguns certamente falharei. O que passou vai pro baú das recordações, mas não sem antes se lambuzar com duas ou vinte duas lagriminhas de saudade antecipada. Agora é momento de arrumar a casa para dar espaço pro tão desejado novo.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Balanço 2

Tomando como referência o tempo natural, o qual constumamos dividir em segundos, horas, dias, anos, etc, completo hoje 4 meses em Barcelona. E mais uma vez vamos nos impresionar: “Jáááááááá?????? Noooossa, como o tempo passa rápido!”. E muito sabiamente uma voz me corrigirá, dizendo: “Não é o tempo que passa, e sim, nós que passamos por ele”. Seja como for, o fato é que quando penso que já passei um terço do tempo que planejei para minha estadia em Barcelona…uhhh… por um lado me assusto, juro. Por outro… me acalmo… não é nenhum bicho-de-sete-cabeças e acho que já aprendi a conviver com a saudade que não me deixa um só minuto.

Mas se tomamos como referência o tempo psicológico, aquele medido pelo que vivemos, fazemos e sentimos… olha… já devo estar aqui há pelo menos o dobro do tempo. Caramba, quanta coisa passou, por quantas coisas passei, quanta informação, quantas sensações… intenso mesmo, viu?

Seguindo a mesma configuração do balanço do primeiro mês, deixa só eu listar algumas coisas que passaram nesses 4 meses e que me vêm agora à cabeça:

- Fechei minha primeira estação em Barcelona: cheguei no fim do inverno, acompanhei toda a primavera e agora acabamos de entrar no verão. Estações bem definidas com mudança de paisagem e tempertauras… gente… eu nunca tinha visto isso na vida!!!


- Já morro de calor na rua, ando de sandalinhas, camiseta, vestido… Preciso comprar um filtro solar, o povo já tá me chamando de morena!!


- Já fui a Milao, Veneza, Valencia, Madrid, La Vera, Girona, Tarragona…


- Já afirmo para quem quiser ouvir: adoro esse cidade, cada dia mais e já posso servir de guia para quem se aventurar por essas bandas!


- Já comecei e larguei um curso de catalão


- Já misturo o português com o español…rsrs… isso é real gente… algumas palavras como piso (apartamento), locutorio (cyber), basura (lixo), são inevitáveis. Eu achava que isso era coisa de gente que gosta de aparecer, mas sempre que estamos entre brasileiros falamos do quanto isso é engraçado.


- Já dou informação na rua pros turistas desnorteados…haha


- Já tô terminando a primeira parte do Master e planejando uma mudança nos meus estudos (mais informações em breve…)


- Já nao converto mais euro em real. Para mim hoje 1 euro = 1 real. Se não for assim… Uff… melhor desistir de viver aqui.

- Já troquei o “afemaria” ou o "ixe" pelo “uffff”, percebeu?


E tantas outras que nem tem como traduzir. Tantas, tantas. Aprendizado intenso. Recomendo a experiência… viu Rosana????

Pros que ainda não viram, atualizei as minhas fotos no www.picasaweb.google.com/acclira. Clicando na galeria de fotos que pus aqui no blog se pode acessar uma das pastas. Mas pode procurar direitinho que já tem um monte de fotos distribuídas em várias pastas.

Já sei que não cumpri a promessa de postar textos aqui com mais frequência… Muitos deles ainda estão na minha cabeça aguardando o momento de virar palavra. É que junto com todas as experiências também tô aprendendo a não me cobrar tanto e fazer as coisas no meu tempo... (uma maneira bonita de dizer tô curtindo a vida boa sem culpas).

Desta vez prometo me esforçar mais para cumprir minhas promessas, ok?