quinta-feira, 23 de abril de 2009

Era uma vez uma Barcelona informal…

(Post dedicado aos coleguinhas da SEDUR e da extinta SEHAB)

Com uma boa porção de ingenuidade e outra bem maior de ignorância, desconhecia a existência anterior de uma cidade informal dentro de Barcelona. Informal, sim, como a que temos nas capitais brasileiras, com casas improvisadas, de madeira, papelão, sem água, esgoto, situações de cohabitação familiar, violência, baixa renda, enfim, nossas velhas conhecidas favelas, invasões…ops…ocupações!

Tivemos hoje uma visita guiada à exposição “Barracas – La ciudad informal”, no Museo de Historia de Barcelona. Para minha surpresa, através da exposição conheci uma cidade mais familiar que esta em que vivo hoje e que encanta diariamente a milhares de turistas. Uma cidade apelidada por uns, em 1923, de “Barracópolis”, habitada por gente que imigra do campo para tentar a vida na cidade industrial; gente que contraditoriamente se apinha em condições sub-humanas em busca uma vida melhor. Uma cidade que em 50 anos se multiplicou em quase 20 vezes (de 1.200 barracas de 1914 a cerca de 20.000 no início dos anos 60), e que nos 35 anos seguintes foi pulverizada, devastada, banida da Barcelona de Cerdà, abrindo espaço à espetaculosa Barcelona Olímpica.

De maneira alguma pretendo fazer uma apologia a miséria, tampouco romantizar o barraquismo – termo aqui utilizado. Mas o fato é que, frente ao fenônemo do inchaço urbano desordenado, a mentalidade do governo franquista, e depois do socialista, tinha a mesma característica asséptica que experimentamos no Brasil com o BNH: fazer verdadeiras cirurgias no tecido urbano e jogar bem longe os tumores malignos. E assim nascem as chamadas UVA´s (Unidades Vecinales de Asentamiento ou algo parecido), ou seja, áreas de reassentamento de famílias localizadas fora da cidade, nos povoados mais próximos, sem infra-estrutura urbana adequada e com todos os problemas que já conhecemos bem. Óbvio que a relidade sócio-econômica daqui é outra, idem a escala do problema. Até onde me consta, em sua grande maioria estas famílias carentes tinham alguma renda e, em parte, graças à luta dos movimentos sociais, a sua incorporação à cidade formal se alguma maneira se tornou possível, coisa que para nós ainda é uma piada. De qualquer maneira, os problemas sociais gerados nessas UVA´s viraram problema das prefeituras das cidades do entorno, onde se pode ver uma paisagem bem diferente.

Finalmente, onde antes se via a vergonha catalã, se fez possível a regeneração. Sem deixar rastros desse passado distante, se erigiram belíssimos cartões postais, como o inspirador Parc de Montjuïc e a linda e artificial Praia da Barceloneta.

Ainda hoje se vê em Barcelona algumas concentrações de população de baixa renda, em sua maioria de imigrantes e descendentes, objetos de intervenção da Llei de Barris (um tipo de FNHIS catalão). Mas até onde me contaram o barraquismo foi erradicado. O engraçado é constatar que todo esse processo de limpeza urbana se deu pouco a pouco à medida que a cidade ia sediando importantes eventos mundiais. O golpe final veio com as Olimpíadas de 92.

Agora, me diga se não te dá um desespero em pensar na dimensão do nosso problema e imaginar o que vai ser do Brasil na Copa de 2014?


Dica: Quase toda a exposição está disponível no site www.barraques.cat. Vale à pena dar uma conferida.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

8 países e um nó na língua

Passada a segunda semana de aula as barreiras entre os coleguinhas do master já havia se desmanchado. Agora já conversamos todos com todos, já saímos juntos depois da aula e as afinidades já começam a aparecer. A turma, de 17 alunos é composta por 8 catalãs, 2 mexicanos (e o único homem da sala), 1 chilena, 1 brasileira, 1 portuguesa, 2 belgas, 1 grega e 1 da República Dominicana. Como já é de se esperar, o grupinho das estrangeiras se formou logo e chega a ser engraçado como na sala a turma praticamente se divide em catalãs do lado direito e estrangeiros do lado esquerdo, mas todos temos nos dado muito bem. A experiência da comunicaçáo entre pessoas de lugares tão diferentes, além de muito engraçada, tem sido bem enriquecedora.

Em meio a esse festival de gestos, traduçães e interrogações me aparece uma atividade de 3 dias (fantástica, por sinal) com o designer franco-sueco Ruedi Baur, ministrada inteiramente em inglês. Para este seminário preparamos um trabalho sobre um espaço público (que por sinal fiz sobre a Praça Castro Alves) e deveríamos apresentar para ele em inglês, tudo bem? Beleza, afinal de contas me formei pelo ACBEU… tô um pouco enferrujada, mas nada que preocupe, certo? Errado! Caramba… quando abri a boca para fazer minha apresentação… nossa… parecia que eu estava no "book two". Não conseguia terminar uma frase sem misturar espanhol no meio. Foi desesperador. Mais que isso...foi ridículo. Começava falando numa língua e terminava em outra. Fiquei arrasada. Depois me disseram que isso era normal. O lance é que estando aqui meu cérebro entende que a língua estrangeira da vez é o espanhol e simplesmente travou o inglês… No segundo e terceiro dias me saí um pouquinho melhor, mas ainda assim não passaria do "book four".

Bom… nos papos do nosso G8 continuo tentando praticar o inglês, apesar da salada de sotaques e idiomas. Uma das vantagens dessa diversidade tô ficando craque em frases multilingues.
At least nosotras nos divertimos a lot!

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Conquistas e desafios

Semana passada finalmente me mudei. Agora divido apartamento com duas jovens catalãs, Eli e Marta, que são muito legais e bem humoradas. Ambas trabalham o dia todo e, aos finais de semana, vão ver as familias em um povoado próximo a Barcelona, o que acaba fazendo com que só nos encontremos algumas horinhas, à noite, durante a semana. Mas logo de cara me receberam muuuito bem e trataram de fazer com que eu me sentisse em casa. Realmente tenho tido muita sorte…

Algumas coisas foram muito boas nessa mudança: desfiz as malas, depois de mais de 1 mês de roupas entocadas, tô adorando arrumar o meu micro-quarto (menos que 5m2), o guarda-roupas, comprar as coisinhas que faltam… Me orgulhei tanto de ter colocado sozinha a persiana, com direito a usar furadeira e tudo! Rsrsrs. Tá certo que no dia seguinte eu tava um caco, mas isso é só um detalhe. Explorar a nova vizinhança também tem sido uma atividade prazerosa. Volta e meia caminho por ruas diferentes, descubro lugares novos, como uma cafeteria que tem wifi, onde gasto o mesmo que gastaria em uma hora de cyber, só que tomo um capuccino, chupo uma balinha e fico lá com meu laptop navegando na internet até o limite da bateria.

Por outro lado, sair da casa dos meninos me trouxe uma boa dose de melancolia. Foi um pouco como sair de novo da “casa dos pais”, um pouco como chegar de novo em Barcelona, um pouco como recomeçar. Sozinha. Brinco dizendo que foi a minha emancipação na Espanha. O que é ótimo, porque agora vou ter que lidar mais com o castelhano, com o catalão, náo vou ter o conforto da convivência diária com 3 baianos, que era justamente o que eu queria evitar, pra não virar comodidade. Mas passar muito tempo só, fazer comida só para mim, chegar de noite e não ter com quem conversar, nem internet para fugir do aqui e agora… não são coisas lá muito alegres. Também não é drama, até gosto dessa solidão e tenho curtido muitos momentos assim. Mas, convenhamos, FÁCIL náo é um adjetivo aplicável a esta situação. Tem dias que a dor de estar longe de Márcio não tem alívio certo. E saber que não tem remédio quase dá um desespero. E como dói a falta de poder telefonar para alguém e dizer “vou passar aí”, ou “vamos tomar uma canja no TCA?”, “…um happy-hour no Pós-tudo?”, “… um filminho no Museu?”, ou melhor: “…almoçar na casa de Álamo!!” rsrsrsrs… (ai que saudade…!).

Enfim, gente. Barcelona tem muito a se fazer. Inclusive amizades, já fiz algumas até. E é claro que ainda tenho uma segunda casa lá garantida com os meninos... não se preocupem que de tristeza eu não morro…

Mas é curioso constatar que toda conquista vem acompanhada de desafios proporcionais. E que estes, quando vencidos, trarão consigo outros novos, que logo tornarão a ser conquistas. É um ciclo interminável, do qual só escapa aquele que cansa e se dá por vencido. Por isso o negócio é respirar fundo, sacodir a poeira e tocar a bola para frente.

Eu?! Desistir? Rsrsrs…é ruim, hein?

terça-feira, 7 de abril de 2009

O porteiro catalão e a estudante estrangeira

Segunda semana em Barcelona. Tô eu procurando onde ficava o curso gratuito de catalão oferecido pela prefeitura, cujo endereço é Praça Catalunya, 9. Rodei, rodei e não achei o tal número, até que entrei por uma das ruas que tangenciavam a praça e encontrei uma edificação de número 9. Já achava que não seria lá, mas pelo menos toquei na portaria para ver se alguém me informava alguma coisa. Foi quando me apareceu o porteiro catalão e, no ritmo que chegou nem me deixou abrir a boca e foi logo engatando sua fala (em espanhol, é claro): “ Antes que vc pergunte… não! Não é aqui. O que vc procura é Praça Catalunya número 9. E vou ter dar uma aula gratuita.” Eu fiquei ali parada, com a boca entreaberta, ainda tentando dizer alguma coisa e já xingando ele em pensamento de grosso. Mas ele continuava: “Uma praça é uma coisa redonda ou quadrada” – e desenhava com a ponta dos dedos as formas – “Entendeu? Isso aqui não é uma praça, isso aqui é uma rua” – e desenhava no ar como era o traçado de uma rua. Velho… eu queria voar no pescoço dele e encher aquela careca de tapas. Vai querer me ensinar a diferença entre rua e praça? “Agora, preste atenção… nesta cidade toda a numeração das ruas é divida em lado par e lado ímpar. Este lado daqui é ímpar. Logo ali do outro lado da rua teremos o número 10 e aquele lado todo ali é par. E além disso a numeração é dada de acordo com o comprimento da fachada das edificaçães, de modo que um edifício muito comprido pode ter mais de um número.” E seguiu a explicação. Com isso eu até esqueci da raiva daquele sacana e achei a interesante a maneira como ele estava me ensinando a me situar nas ruas, coisa que hoje me é muito útil. Daí ele explicou que a numeração em praças era diferente das ruas, porque era sequencial e depois de alguns minutos de aula acabou me mostrando onde ficava o tal prédio que eu procurava, ainda de uma maneira peculiar e levemente irritante. Depois me disse, já quase sorrindo que eu era a oitava pessoa a perguntar aquilo para ele naquele mesmo dia e que até o fim do seu expediente outras seis deviam fazer o mesmo, pois isso acontecia todos os dias. Quando falou isso eu até fiquei com dó do bichinho. No fim das contas rimos juntos, eu agradeci a “gentileza” e saí me perguntando se era essa a grosseria espanhola que tanto me amedrontava… à maneira dele o cara me deu mais que uma informação, foi mesmo uma aula.
Quando contei isso em casa, Johnny sugeriu que eu fizesse um mapinha e levasse de presente pra ele prender na portaria do prédio e poupar tanta explicação. Fiquei até com vontade de fazer… mas depois imaginei o quanto ele já deve ter aperfeiçoado aquela historinha contada diariamente, com tanto prazer, para cada estrangeiro que aparece ali na porta. De jeito nenhum… ao invés de poupar ele desse momento triunfal, prefiro divulgar a história para que outros vão lá pedir informação só para conhecer essa figura tão pitoresca.