sábado, 26 de setembro de 2009

Outono no hemisfério norte.

É chegada a hora da paisagem verde ganhar tons de ocre. E os jardins, pouco a pouco,serem tomados pela ruidosa folhagem seca.

Na poesia, é comum associá-lo à morte ou à maturidade.

Eu o vejo como momento de transformação e preparação para a solidão.

Meu outono chegou na hora certa.

Minhas folhas, que se anteciparam perderam o viço antes da hora, já começam a cair.

Cada uma que cai, leva consigo um pouco do que não me serve mais nesta estação e agora são adubo pras próximas etapas.

Graças a elas, logo estarei exposta. E devidamente fortalecida pro temido inverno.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Recomeçando

Nesta segunda feira comecei uma nova etapa da minha estadia na Espanha, ops, na Catalunya. Agora vivo numa cidadezinha chamada Tarragona, a pouco mais de 1h de Barcelona, que possui lindas (e verdadeiras) praias, um centro histórico super rico da arquitetura romana e, aparentemente, de gente muito cordial. Divido apartamento com dois chilenos, Jordi e David, dos quais ainda não posso falar muito além da impressão de serem pessoas simpáticas e aparentemente bem organizadas. A razão da minha mudança é a escolha que fiz de estudar Antropologia Urbana na Universidade Rovira i Virgili – URV.

Pois bem… as aulas começaram na segunda mesmo e já me deparei com o desafio de ter que ler muito, estudar muito e escrever muito. Já sabia que seria assim, mas o meu ímpeto de começar as coisas nunca é tao realista quanto a realidade em si. Assim, nesses 3 longos dias tenho trabalhado arduamente a minha débil capacidade de concentração e a persistência.

Da tempestade de temas e sensações que tem me ocorrido desde que voltei, há uma semana, pras terras catalanas, sem dúvidas, aquele que mais tem me consumido é a constatação da minha dificuldade em estar só. Aquí em Tarragona recomeço um processo de enamoramento por uma cidade, de reconhecimento de territórios, de construção de laços, enfim, de adaptação. E desta vez sozinha. Não tem João, nem Eduardo, nem Grazi, nem niguém para me dar a dica do melhor mercado, do sistema de transporte ou do café mais bacana.
Na fantasia de quem idealizou esse momento solitário e romântico como um momento importante de recolhimento, de busca, de autoconhecimento, o fato de estar recomeçando soou extremamente estimulante, desfiador, uau! Ela só esqueceu que a sua maneira de lidar com os desafios náo é o que se pode chamar de tranquila. O desânimo, o choro, a ansiedade, mais choro, os florais misturados com um pouco mais choro serão sua companhia até que a transformação comece.

E logo virá, sabemos bem. Muita gente para conhecer, muita cultura nova pra assimilar, muitos costumes a serem adquiridos e muito tempo pela frente pra viver o inesperado.

E assim segue a busca.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Taficante de farinha

Mala de baiano que estuda no exterior, quando volta para Europa depois de um visita à terra natal, é um verdadeiro festival da culinária nordestina. Mesmo sabendo que é proibido transportar artigos alimentícios, ainda que nas malas despachadas, decidi seguir o exemplo da maioria dos brasileiros que conheço e trazer algumas “coisinhas” para fazer a alegria dos saudosos e preparar alguns quitutes baianos do lado de cá:

3kg de farinha de mandioca

2kg de goma para beiju

500ml de azeite de dendê

Cerca de 300g de camarão seco

1 pacote de doce de banana (daquele tijolão enrolado na palha)

37 caixinhas de Cocada Baianinha

1 pote de geléia da Chapada Diamantina

1kg de granola Tia Sônia (a melhor de todas!)

8 tubos de creme de cabelo (artigo de extrema necessidade)

Basicamente isso. Além, obviamente de roupas, calcinhas, sapatos, alguns livros e tudo o que malas comuns de viagem devem carregar.

Pois bem. Venho eu chegando, feliz e contente, no aeroporto de Barcelona, depois de uma viagem razoavelmente tranquila, quando um oficial desocupado, mas bem educado, me vê passando com as malas a uns 20m da porta de saída e resolve me tomar como passatempo:

“– Bom dia! Vêm de onde?”

“– Bom dia! Venho do Brasil.” ( xii…)

“– Por favor, passe as malas aqui no raio x”

“– Sim, claro!” (xiiii…)

E lá vou eu colocando as malas na esteira e pensando na cara que o cidadão faria quando visse o dendê e os camarões. Náo sei se por cansaço ou sei lá o quê, mantive a calma durante todo o tempo e pensei que o máximo que poderia acontecer era ele confiscar aquela feira toda e deixar minhas malas murchinhas.

Passa a primeira mala e ele olha para tela do raio x com uma cara intrigada:

“– O que a senhora leva aí?”

“– Hmm… é… sapatos, livros, cosméticos… e… algumas coisas de… é… ingredientes de comida típica da Bahia para alguns amigos” (xiiiiiii…)

“– …Passe a outra mala, por favor”

Olhou com a mesma cara, fez mais umas perguntinhas, mas se interessou por abrir a primeira, que era a menor de todas, mas pesava que era uma beleza. Não sem antes espancar a pobre da mala grande. Só depois entendi que estava averiguando se ela tinha um fundo falso.

Abri a mala e demos de cara logo com uma calcinha, o que já prenunciava meu constrangimento com toda aquela invasão. E lá foi ele futucando as coisas, olhando cada embalagem de creme, sacudindo, abrindo cada saquinho, isso tudo sem o menor cuidado de colocar nada no lugar. Até que chegou no fundo da mala, onde estava o que lhe interessava: as farinhas! Quando pegou o primeiro pacote, pensei logo “uhhh….me dei mal”. Calmamente perguntou:

“– Que é isso?”

“– Farinha de mandioca. É um artigo muito comum da Bahia, de onde venho, e serve para fazer comida”

O cidadão apertou, apertou, cheirou, tornou a apertar e largou. Ufa! Depois olhou com uma cara meio espantada pros outros dois pacotes iguais a este. Daí então partiu pro outro saco, onde estavam os pacotes de goma para beiju. Imagine a minha cara ao me dar conta que a goma é bem mais fininha e mais branca que a farinha de mandioca! Mais uma vez ele apertou, apertou, cheirou, mas agora com mais apreensão, o negócio era mais sério.

“– E essa? Para que serve?”

“– É um tipo de farinha para fazer o que chamamos de beiju” – e mostrei um rótulo no saquinho que explicava como preparar. “Se o senhor quiser pode abrir”.

Quando ele deixou a farinha de lado e continuou a mexer na mala lembrei do tijolo de doce de banana enrolado na palha e rezei para ele não encontrar. Pro meu alívio ele parecia se dar por satisfeito com as minhas explicações sempre bem simpáticas e tranquilas.

“– Mas para quê você traz tudo isso?”. Respirei fundo. Achei que ele fosse começar o fisco.

“– É que aqui tenho muitos amigos da mesma cidade que eu. Quando alguém viaja é normal pedir que tragam algumas coisas para preparar comidas típicas…”

Fim do interrogatório. Acho que convenci. Antes de me liberar deu mais uns socos da pobre mala grande, mas não me pediu que a abrisse (ufa! O dendê e o camaráo estavam nela!). Acho que foi por isso que a coitada nao resistiu e foi morrendo no caminho. Chegou em casa toda despedaçada.