segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Já não somos as mesmas

Em movimento: é como estamos a todo instante. Eu, você, o cachorro, a planta, a pedra, a nuvem. Também as cidades. Tudo passa e a cada segundo a lei da impermanência se cumpre sem que nada nem ninguém consiga detê-la. 

O movimento de transformação da cidade onde nasci, me criei e vivi até um ano e meio atrás se deu gradativamente diante dos meus olhos, sem que eu o percebesse. De 1978 a 2009 a cidade mudou junto comigo (e vice-versa), de maneira que pudemos ir lentamente nos adaptando aos nossos novos contornos, dinâmicas, tendências. 

Desde que me afastei temporariamente, Salvador, assim como eu, seguiu seu natural processo de transformação. Por aqui tem passado muita coisa e certamente quem voltará não é a mesma pessoa que veio. Penso que quando nos reencontremos, ao me ver,  ela talvez se espante e me diga: “Ana! Como você mudou”. Mas tenho a impressão de que o meu espanto será ainda mais impactante ao percorrê-la. 

A Salvador que conheço tinha um estádio de futebol chamado Fonte Nova. Nele vivi minha primeira experiência de euforia coletiva num show dos Menudos, quando dividi um minúsculo binóculo com mais 5 crianças (irmã e primas) pra tentar ver de perto o “Ricky Novo” (atual Ricky Martin), enquanto escutava minha prima espernear porque queria estar ao lado de Charles. Um pouco mais tarde, estive ali pra ver um show da Xuxa e pra mais uns quantos eventos. Ali fiz minha estréia como torcedora do Bahia, no primeiro e único jogo que vesti camisa, cantei hino junto e xinguei juiz em coro com toda a torcida. Era final de uma Copa do Nordeste e o Bahia foi campeão. Lembro de passar a maior parte do tempo me maravilhando ao assistir o espetáculo que acontece nas arquibancadas, bem mais interessante que o jogo. Quando pratiquei remo no Dique do Tororó, esse mesmo estádio era parte da paisagem que nos cercava e, através da abertura no seu anel, explicitava sua intenção de dialogar com as águas e orixás do dique. Ontem, 29 de agosto de 2010, a velha Fonte Nova veio abaixo. Sem entrar nos acontecimentos que justificam (ou tentam justificar) esse fato, me limito a registrar o arrepio que senti ao ver essas imagens que impactaram provavelmente todos os soteropolitanos: 



A alguns quilômetros dali, direcionando o foco à orla da cidade, trago nas recordações de infância os sábados de praia em Itapuã. Frequentávamos sempre a mesma barraca e dali vem os primeiros registros da minha relação com o mar. O caminho de ida e volta, o cheiro da maresia, os incontáveis picolés por dia, a areia quente que ardia no pé, o chilique ao encontrar sargassos na água.  Essas cenas sensações me vieram à mente ontem à noite, quando fiquei sabendo que durante a semana passada centenas de barracas de praia de Salvador foram demolidas. Mais uma vez sem entrar no mérito dos prós, contras ou desdobramentos desse fato, me limito a declarar-me chocada e, ao mesmo tempo, maravilhada ao tentar imaginar a nova paisagem que ganhou a nossa orla.

Coroando o festival de choques paisagísticos, soube da chegada dos míticos trens nas vias do metrô, anunciando que falta menos do que faltava pra vermos essa lenda/piada em funcionamento. Data? Não se sabe. O nosso prefeito diz que prefere fazer uma surpresa. 

Com um misto de resignação e medo, reconheço que isso é apenas o começo. Até 2014 minha cidade seguirá, a ritmo galopante, um processo de remodelação, o qual, estando longe, só me resta a opção de assistir por meio virtual. 

Pra não ficar pra trás continuo, no meu passo, buscando novas soluções pra tudo quanto o tempo e as novas demandas tornaram em mim defasados. Eu daqui, ela de lá, em ritmos diferentes, mas contínuos, seguimos crescendo, mudando e nos preparando para o impacto do reencontro.

4 comentários:

  1. É amiguinha... também tive essa mesma impressão sua ao vir aqui pela primeira vez... ficar chocado em descobrir que tudo continuou acontecendo sem você (a gente tende a acreditar que porque não estamos mais, tudo para à nossa espera...). Outro lado que talvez vc perceba, é que além das coisas as pessoas também mudam, passam a viver sem você, e pode custar a se re-acostumarem a tê-la tão perto (alguns amigos meus ainda não voltaram a me chamar pra costumeira cervejinha da sexta-feira). O tempo não para.

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  2. ainda não me recuperei da tristeza...

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  3. vc esqueceu de citar o clube espanhol, que acabou de ser demolido pra dar lugar a um empreendimento imobiliário ... além deles, já foram abaixo tb o clube português e a associação atlética da bahia.
    se eu fosse vc, nao diria que a cidade muda no mesmo ritmo que vc ... podem rolar comentários de muito mal gosto.
    beijão.

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  4. Já lhe disse o quanto gosto de ler seus textos? Acho que ainda não. Gosto muito da maneira como se coloca perante os fatos que lhe ocorrem direta ou indiretamente. Da maneira, discreta, como sugere opiniões diversas, arguindo a quem lê sobre situações aparentemente corriqueiras, porém tão enfatizadas quando as deixam de ser.
    Comentei com Véu esses dias, algumas mudanças comportamentais que percebi em mim, mudanças que vêm sendo pertinentes há algum tempo, mas que tomei conta do que possa ser após conversar com suas palavras.
    Percebi como você, que as mudanças ocorrem por uma variedade de situações que nos colocamos, ou somos colocadas, as quais somos irrefutavelmente transformadas, modeladas e/ou simplesmente forçadas a agir de outra maneira. Somos postas á prova do cotidiano quando ele não se faz presente. O fato de estarmos longe da nossa cidade, dos amigos, familiares e lugares que somos íntimas, nos coloca a mercê de um novo mundo que nos enche os olhos, porém não é capaz de ocupar o vazio que é deixado por nossas melhores lembranças. Lembranças que são transformadas assim como nós, e talvez seja isso que nos impacta. Perceber que, absolutamente, tudo muda. Isso inclui as nossas mudanças e as de outrem.
    Mas quer saber? Que mude, eu quero mais é aprender e viver.
    Um grande abraço.

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