domingo, 5 de dezembro de 2010

"Epajei, madre mía!"

(Escrito em 04 de dezembro de 2010)
E aí, meu rei, já comeu seu caruruzinho de Santa Bárbara hoje? Pois eu já! Hahahahaha!
Saí de casa no meio do dia sem muitas pretensões, além de bater perna pelo centro e comprar coisinhas pra ajudar a agüentar o inverno que já chegou: adiantado e com tuuudo. Pois o tal vento frio soprou, soprou e acabou me levando pra uma festa de samba onde rezava a lenda iam vender um caruru... Fui lá com Paula, nova figurinha soteropolitana na área, só pra dar aquela velha “bizoiada” básica. Por aquelas horas o samba já tinha virado Olodum e foi ao som do “Eu sou negão” que conheci Sílvia, a quituteira do dia, que, além de ser a responsável pelo caruru completo, comemorava aí seu aniversário da maneira como deve fazer toda boa baiana filha de Iansã. Menina, o santo bateu e caí pra dentro do caruru de Sílvia com vontade! Enquanto me lambuzava ia me dando conta da saudade que eu tava daquilo e nem sabia. Seguramente não estava tão bom quanto o caruru da minha mãe, mas pro contexto... uhh... era mais do que perfeito. Eu e Paula, com aqueles dois pratos de caruru, imprensadas contra um pedacinho de balcão, me lembrou da típica situação em dias de São Cosme e Damião ou Santa Bárbara na Bahia: você é convidada pro caruru da irmã da amiga de um amigo, chega na casa cheia de gente desconhecida, sendo que metade já tá espalhada pelo corredor com seus pratinhos entre as pernas. A dona da casa te recebe com aquele abraço de amiga de infância, te leva direto pra cozinha e capricha no PF. Uma colher de arroz, outra de feijão fradinho, pouquinho de farofa de azeite, aquela boa porção de caruru, outra de vatapá... pode caprichar no vatapá, minha tia... tome-lhe outra colher. E o xinxim de galinha? Deixei de comer carne, minha tia... que fuleragem... caruru sem xinxim, onde já se viu? Mas tá valendo. Senta lá no corredor, minha filha, que tem um cantinho sobrando...
Engraçado o dar-se conta do quanto uma tradição marca a gente. Me recordei que essas cenas “carururescas” estiveram presentes em todas as fases da minha vida. E me dá a sensação de que já fazem tanto parte da minha bagagem cultural que, por mais que eu possa passar anos sem presenciá-las, elas continuarão sendo familiares, quase corriqueiras.
Enquanto rola a digestão fico aqui pensando na ironia dessa deliciosa surpresa de hoje. Pra explicar a ironia tenho que contar uma historinha.
No fim de semana passado aconteceram as eleições do Parlamento da Catalunya e o tema que deu a tônica da campanha foi a imigração e todos os assuntos correlatos. O grande responsável pela sua introdução e rumos dentro no contexto eleitoreiro foi o mais jovem partido catalão, chamado Plataforma per Catalunya. Com apenas alguns meses de criação, este pequeno monstro, liderado por um tal Josep Anglada, já entrou pra história por seu discurso escancaradamente xenófobo e capacidade de concentrar milhares de militantes e simpatizantes neonazi. O que mais assustou foi que, não apenas eles conseguiram fazer muito barulho na campanha, como assustadoramente tiveram uma votação incrivelmente expressiva (cerca de 75 mil votos!!!!). Por sorte não foram eleitos, mas a violência do seu crescimento no cenário local chamou a atenção pra um fato que não pode mais ser ocultado na sociedade catalã: a intolerância à diversidade cultural escondida por trás do discurso do nacionalismo, do independentismo catalão.
Afeeee...mas o que é que tudo isso tem a ver com o caruru, minha senhora? É verdade, fui longe. Mas é que como o assunto anda tão em debate no momento, tem-se discutido muito sobre a discriminação étnica e cultural direcionada aos imigrantes, principalmente os marroquinos e paquistaneses. As dificuldades de inserção social destes coletivos não são poucas e, ultimamente, até suas práticas culturais e religiosas vêm sendo fortemente recriminadas, a exemplo de várias manifestações por diversas cidades catalãs contrárias a construção de mesquitas em seu território.
Com isso quero também dizer que, apesar de todas as dificuldades que podemos encontrar por não estarmos em casa, nós brasileiros temos sorte (será essa palavra?) de sermos bem recebidos por aqui. Podem protestar os que acham que não são bem tratados, mas ninguém pode negar que o povo catalão gosta, sim, dos brasileiros e não cria muita resistência em incorporar alguns elementos da nossa cultura no seu dia-a-dia. Qual o bar aqui que não serve uma “caipiriña”? Qual a festa major que em alguma esquina não se ouve um batuque de escola de samba? Quantas centenas de professores e milhares de alunos de capoeira devem ter essa Barcelona? Com qual outra cultura vemos tanta receptividade? Deve haver mais, mas minha ignorância me limita vê-las.
Obviamente essa abertura não se traduz em direitos e facilidades no campo profissional, mas isso é outra história, que já toca mais fundo, ou melhor, no fundo do bolso.
Pois sim... e o caruru, minha filha? Tá aqui sendo digerido e eu sigo dando voltas... Velho, no dia de Santa Bárbara eu comi um caruru em Barcelona!! Sabe o que isso me remete? Que a cultura atravessa oceanos e segue com a gente onde quer que se vá. Não é novidade, foi assim com a colonização do Brasil, da América Latina. O africano não deixou de se sentir africano ao chegar naquelas terras, nem o europeu deixou de se sentir europeu. De lá pra cá muitas águas rolaram, o povo se misturou com os que já estavam (os poucos que sobraram) e as novas gerações foram testemunhas de novos contextos culturais, reunidos sob o rótulo de cultura brasileira. Atualizando pra conjuntura em questão, o que cada vez mais enxergo é o medo que reside por trás do blábláblá nacionalista de que a tal cultura catalã siga o rumo natural das coisas, de passar por transformações, incorporar novos elementos (inclusive de culturas desprezadas), mas ainda assim seguir sendo catalã. Sei também dos antecedentes históricos e por isso respeito o nacionalismo, mas penso que mais importante que olhar pra trás é procurar se posicionar bem pra seguir em frente.
Cada vez acredito menos no tal discurso da monstruosa homogeneização cultural que a globalização vai criar. Ainda que durante décadas Sílvia siga servindo caruru no dia de Santa Bárbara, com o maior êxito de público, nunca um catalão vai poder sentir o seu significado. Nem nós baianos podemos sentir a origem de tudo o que a África nos aportou. O que, sim, pode acontecer (e aconteceu conosco) são releituras, adaptações, resignificações. Mas as bases sobre as quais se esses “plug-ins” se instalam são muitas, são tão diversas, que não consigo ver como pode virar tudo uma coisa só. (Mais uma vez limitada pela minha ignorância)
A xenofobia é burra, dentre muitos outros motivos, porque pensa que pode parar o processo natural das coisas. É burra porque é conservadora e acredita que é através da violência que vai conseguir se defender do seu maior medo: o novo.
Agora, realmente... a pessoa sair do caruru, que tava tão bom, e chegar na xenofobia... putz, muita viagem. Desculpa aí se falei muita besteira. Boto a culpa no dendê fermentando aqui no estômago. Quer saber? O melhor que faço é ir dormir, que agora a digestão já vai bem adiantada. Boa noite procês.

domingo, 21 de novembro de 2010

Ave, Gonzaguinha!

Caminhos do coração
Composição: Gonzaguinha

Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz


Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo, um canto prá dormir e sonhar


E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas

E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar

É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Per a Tarragona, amb amor

Em posts anteriores já falei um pouco da minha relação com os lugares pelos quais tenho passado, do quanto cada um deles mexe comigo e trazem informações novas ou velhas recordações. E compartilho por supor que você também passe por isso; por compreender que em cada lugar por que passamos (cidades, bairros, casas) ficam registradas as sensações do que nos acontece naquela fração de tempo (ano, meses, dias, horas). Você também sente assim?

Pra mim isso é tão inevitável que, ao percorrer um caminho pela segunda vez, sou capaz de lembrar de pensamentos ou do ponto exato de uma conversa que tive com uma pessoa ao passar antes por esse mesmo trecho de cidade. Loucura. Às vezes acho que não é a minha mente que guarda essas informações e, sim, que são os lugares que têm memória. E quando passo outra e outra e mais outra vez pelo mesmo lugar, é como se ele fosse aos poucos ganhando contornos novos. O lugar já não é o mesmo, agora ele está impregnado das minhas vivências. E eu, dele.

É assim como me sinto em relação à Tarragona. Relendo posts do período em que me mudei pra lá, há pouco mais de um ano atrás (como este: "Recomeçando"), recordei a sensação de chegar sozinha numa cidade desconhecida. Também recordo a estranheza incial de ir viver numa cidade tão pequena, e, logo depois, da prazerosa descoberta das maravilhas de não precisar usar transporte público pra andar pela cidade e da delícia de poder caminhar tranquilamente pelas ruas a qualquer hora do dia e da noite.
Mais do que seus atributos como cidade (que não são poucos), Tarragona marca um período. Um ano de reclusão, de solidão prazerosa, tempo de por à prova aquela máxima minimalista que diz que “menos é mais”. E dentro do meu ashram particular, pouco a pouco fui criando um mundo que escapava à compreensão de qualquer ser exógeno que por ali se aventurasse.

A roda da vida girou e me trouxe de volta a Barcelona. De volta à agenda do corre-corre, à vida social intensa, ao ritmo frenético inerente a qualquer cidade grande (no caso de Barcelona, cidade pequena com vida de gente grande). Sem traumas... essa dinâmica eu conheço bem.

Mas Tarragona ficou. Na nostalgia dos dias de aprendizado intenso, dos passeios noturnos sem rumo, dos dias inteiros de silêncio guardado; no perder-se pelas ruas estreitas do charmoso centro histórico, nas horas incansáveis de contemplação da beleza do anfiteatro romano em frente ao mar que me lembra a Baía de Todos os Santos, ainda mais lindos de ser ver à noite; nas tentativas desesperadas de aquecer os pés nas noites de inverno dentro daquele quarto gélido; no quebrar das ondas e no cheiro do mar da Cala Romana em pleno verão; no calor das amizades que pertencem a esse lugar e a esse momento, e, também por esta razão, estão guardadas com o mesmo cuidado e amor que residem nestas lembranças.

Se Veneza é minha cidade sonho, Tarragona é minha cidade descanso.
Se Salvador é minha cidade real, Tarragona é minha cidade etérea.
E Barcelona que me perdoe, mas se hoje alguma parte do meu coração é catalã, não há dúvidas, ela é tarraconina.  
Pros que ainda não conhecem a minha musa, aqui tenho algumas fotos dela: Álbum de Tarragona no Picasa

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Que há por detrás do silêncio?


Vergonha. 

Dois meses se passam e nem uma palavrinha postada no blog. Justo eu que gosto tanto de escrever e saber que tem meia dúzia de bons amigos que me dão alguma audiência e que até me cobram notícias. 

Durante esse tempo pensei várias vezes que deveria escrever alguma coisa. Mas sabe o quê? A verdade é que não soube o quê. E não foi por falta de assuntos e novidades...acho que foi falta de vontade mesmo.

Sem muitas pretensões poéticas mando logo a notícia de que estou de volta a Barcelona. Sigo fazendo o Máster em Tarragona, agora com menos demanda presencial, mas retorno a Barna e ao seio da família que me acolheu nos primeiros momentos aqui na terrinha: de momento vivo com João e Grazi.

Sim, outro momento se inaugura e acho que talvez por isto, por ainda estar no meio de algumas reviravoltas, ainda não esteja em posição de escrever sobre elas ou lançar uma mirada romântica, como bem costumo fazer.

Também sinto que tenho estado mais aqui e menos aí. E, como tudo, isto tem seus prós e seus contras. Quando se deixa de ser um estranho numa cidade nova a gravidade passa a funcionar igualzinho que em casa....o cotidiano e as tarefas chatas pesam da mesma maneira. Tava há poco lendo um texto do antropólogo britânico Julian Pitt-Rivers que tem um trecho que fala que à medida que o visitante vai se tornando "membro" da comunidade, o caráter sagrado de seu status de hóspede desparece e vão ganhando espaço as obrigações e responsabilidades com a sociedade. Longe de me sentir uma cidadã catalã, apenas cito por achar pertinente a distinção que se faz entre hóspede e morador.

Uma das vantagens de perceber isto é confirmar a ideia de que não importa onde você esteja sua trouxinha de virtudes e defeitos vai junto. Passada a empolgação do "Uhhh... eu moro em Barcelonaaa!!!", vem o "Ok, Barcelona é uma excelente cidade, mas meu máster está me deixando doidaaaa". (Com exceção da minha amiga Cráudia que é uma louca eternamente alucinada com a cidade). E mais adiante alguns podem até chegar ao extremo: "Sei lá de Barcelona, nunca mais saí pra dar uma volta...O trabalho tá consumindo todas as minhas energias e só quero ficar em casa." Ou seja, não importa se estamos em Salvador, Rio de Janeiro,  Espírito Santo, São Paulo, Cairo, Barcelona ou uma paradisíaca ilha grega. O importante é seguir arrumando a casa pra aprender a levar a serenidade pra onde quer que se esteja.

E chega de xourumelas. Boa semana pra vocês!

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Já não somos as mesmas

Em movimento: é como estamos a todo instante. Eu, você, o cachorro, a planta, a pedra, a nuvem. Também as cidades. Tudo passa e a cada segundo a lei da impermanência se cumpre sem que nada nem ninguém consiga detê-la. 

O movimento de transformação da cidade onde nasci, me criei e vivi até um ano e meio atrás se deu gradativamente diante dos meus olhos, sem que eu o percebesse. De 1978 a 2009 a cidade mudou junto comigo (e vice-versa), de maneira que pudemos ir lentamente nos adaptando aos nossos novos contornos, dinâmicas, tendências. 

Desde que me afastei temporariamente, Salvador, assim como eu, seguiu seu natural processo de transformação. Por aqui tem passado muita coisa e certamente quem voltará não é a mesma pessoa que veio. Penso que quando nos reencontremos, ao me ver,  ela talvez se espante e me diga: “Ana! Como você mudou”. Mas tenho a impressão de que o meu espanto será ainda mais impactante ao percorrê-la. 

A Salvador que conheço tinha um estádio de futebol chamado Fonte Nova. Nele vivi minha primeira experiência de euforia coletiva num show dos Menudos, quando dividi um minúsculo binóculo com mais 5 crianças (irmã e primas) pra tentar ver de perto o “Ricky Novo” (atual Ricky Martin), enquanto escutava minha prima espernear porque queria estar ao lado de Charles. Um pouco mais tarde, estive ali pra ver um show da Xuxa e pra mais uns quantos eventos. Ali fiz minha estréia como torcedora do Bahia, no primeiro e único jogo que vesti camisa, cantei hino junto e xinguei juiz em coro com toda a torcida. Era final de uma Copa do Nordeste e o Bahia foi campeão. Lembro de passar a maior parte do tempo me maravilhando ao assistir o espetáculo que acontece nas arquibancadas, bem mais interessante que o jogo. Quando pratiquei remo no Dique do Tororó, esse mesmo estádio era parte da paisagem que nos cercava e, através da abertura no seu anel, explicitava sua intenção de dialogar com as águas e orixás do dique. Ontem, 29 de agosto de 2010, a velha Fonte Nova veio abaixo. Sem entrar nos acontecimentos que justificam (ou tentam justificar) esse fato, me limito a registrar o arrepio que senti ao ver essas imagens que impactaram provavelmente todos os soteropolitanos: 



A alguns quilômetros dali, direcionando o foco à orla da cidade, trago nas recordações de infância os sábados de praia em Itapuã. Frequentávamos sempre a mesma barraca e dali vem os primeiros registros da minha relação com o mar. O caminho de ida e volta, o cheiro da maresia, os incontáveis picolés por dia, a areia quente que ardia no pé, o chilique ao encontrar sargassos na água.  Essas cenas sensações me vieram à mente ontem à noite, quando fiquei sabendo que durante a semana passada centenas de barracas de praia de Salvador foram demolidas. Mais uma vez sem entrar no mérito dos prós, contras ou desdobramentos desse fato, me limito a declarar-me chocada e, ao mesmo tempo, maravilhada ao tentar imaginar a nova paisagem que ganhou a nossa orla.

Coroando o festival de choques paisagísticos, soube da chegada dos míticos trens nas vias do metrô, anunciando que falta menos do que faltava pra vermos essa lenda/piada em funcionamento. Data? Não se sabe. O nosso prefeito diz que prefere fazer uma surpresa. 

Com um misto de resignação e medo, reconheço que isso é apenas o começo. Até 2014 minha cidade seguirá, a ritmo galopante, um processo de remodelação, o qual, estando longe, só me resta a opção de assistir por meio virtual. 

Pra não ficar pra trás continuo, no meu passo, buscando novas soluções pra tudo quanto o tempo e as novas demandas tornaram em mim defasados. Eu daqui, ela de lá, em ritmos diferentes, mas contínuos, seguimos crescendo, mudando e nos preparando para o impacto do reencontro.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

LUGAR DE FESTA É NA RUA

Tarragona está em festa. Passeando pelas ruas coloridas e movimentadas mais uma vez me dou conta do quanto o tema das festas urbanas me move e me faz pensar em muitas coisas relacionadas a este universo. Deu vontade de escrever sobre tantos assuntos que decidi dividi-lo por partes e pouco a pouco ir aportando aqui ideias que seguramente virão surgindo ao longo dos dias festivos que me aguardam do lado de cá.

Parte 1

Assim como no Brasil, desde o começo do verão começam a pipocar pelas cidades, bairros e ruas da Espanha as festas de santos patronos. Aqui na Catalunya elas são chamadas Festas Majors e invariavelmente reúnem alguns elementos típicos da cultura catalã, tais como os Gegants, os Castellers, o Correfoc, a Sardana, comidas populares e mais uma série de micro-eventos que levam milhares de pessoas às ruas. Algumas delas são festas de bairros, organizadas pelas paróquias, outras são festas que envolvem toda a cidade. Em Barcelona, por exemplo, a mais importante celebração de bairro é a Festa de Gràcia, que está acontecendo desde o sábado passado e vai até o próximo (de 15 a 21 de agosto). Nela, os moradores e instituições culturais, em parceria com a prefeitura, se envolvem na decoração do bairro, na programação da festa e aí proporcionam, a cada ano, uma ampla oferta de atividades direcionadas ao mais variado perfil de público.

Hoje, em Tarragona, se celebra o dia do San Magí, santo cuja lenda lhe atribui a responsabilidade pelo nascimento do Rio Gaià, uma das duas fontes de água doce que servem a cidade através de aquedutos. Assim, hoje se celebra aqui o dia da água.

Em setembro se comemoram, tanto em Barcelona quanto em Tarragona (e nas demais províncias catalanas) as principais Festas Majors, que são as dedicadas às santas padroeiras das cidades: a N. Sra. da Mercè e a Santa Tecla, respectivamente (a esta última gosto de chamar de N.Sra. dos Computadores ou do Piano).

O padrão das festas é o mesmo, o tipo de eventos que elas oferecem, também. Mas o que me chama a atenção nelas é o seu caráter democrático: seja nas apresentações dos Castellers que acontecem normalmente pela manhã e tarde ou no show de rock que vara a madrugada até o raiar do sol, há espaço pra crianças, adultos e velhos. Também a participação de famílias inteiras nas manifestações populares tradicionais é algo muito forte e bonito de se ver. De uma maneira geral o que me toca é ver a maneira como as tradições são tratadas, inseridas na vida do cidadão desde o seu nascimento e mantidas geração pós geração. 

Caminhando por essa cidade em festa impossível não conectar diretamente com as ruas de Santo Amaro em plena Lavagem da Purificação. Ali, como em muitos outros pontos do nordeste em festa de padroeiro, não há como negar que o calor humano tem outra vibração muuuuito mais intensa que até mesmo da máxima euforia catalã. Da mesma maneira, não tem como negar que essa festa, tão presente no meu imaginário, me aquece muito mais o coração que qualquer tradição catalana, por mais bela que seja. 

Mas esse mesmo coração que se esquenta ao acessar certas memórias se ressente de ver os rumos que vêm tomando as nossas festas tradicionais. O trio elétrico que suprime o cortejo de baianas é o reflexo mais explícito da nossa cultura posta a venda há décadas. E da maneira mais estúpida possível. A primeira coisa que você vê quando vai se aproximando da zona da festa são as faixas, cartazes, bandeirinhas e balões do patrocinador oficial: invariavelmente uma marca de cerveja. Vender a festa é o primeiro requisito pra realização de qualquer evento de rua no Brasil, de maneira que a equipe de marketing é a primeira a começar a trabalhar na etapa de preparação. Se não se vende bem, a festa é fraca, porque as atrações que podem ser contratadas não são “das boas”. O gráfico que afere a qualidade da festa aponta que a distância do local de origem das bandas convidadas é diretamente proporcional à satisfação do público, ou seja, de quanto mais longe vêm, melhor. Atração local, seja um grupo musical, de capoeira, maculelê, ou seja o que for, só agrada aos que vêm de fora em busca do exótico. 

Infelizmente, essa desvalorização da própria cultura é uma prática comum nas nossas festas de rua (aqui me refiro principalmente às festas da Bahia, já que não conheço outras o suficiente pra falar a respeito). E quando falo em “própria cultura” excluo enfaticamente da lista os fenômenos locais do axé, pagode e adjacências, que ao meu ver são a mola propulsora da indústria que se dedica à banalização e comercialização generalizada e que pouco a pouco vai conseguindo acabar com nossas festas. 

É... o que é saudade não deixa de vir com uma pontinha de revolta. A histórica falta de uma política cultural que protegesse a nossa memória ainda se faz muito presente no nosso modo de festejar. Isso sem nem falar da violência urbana, que transforma os eventos de rua em verdadeiros campos de batalha.

É realmente uma pena. Por sorte, e pra salvação de muitos, nem tudo está perdido. Ainda que uma esmagadora maioria se mantenha seguindo cegamente o que dita o “mercado cultural”, se soubermos procurar, ainda se pode encontrar nas nossas festas focos de resistência de um bom samba-de-roda ou uma batucadinha despretensiosa e contagiante de deixar qualquer catalão morrendo de inveja. Maíra e Milena que o digam!

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Golpe a golpe, verso a verso

Análisis de un Ritual
Por fim, as férias! Sim... estou de volta.
No post anterior, de quase 2 meses atrás, avisei que ia dar uma sumida por conta dos estudos. Pra variar, deixei tudo pra última hora e quando me dei conta... estava numa contagem regressiva desesperadora: faltavam 10 semanas e 10 trabalhos a entregar!!!! Resenhas, ensaios, monografia, resumos...socorro... felizmente dei conta de tudo o que me propus a fazer.
Todo este tempo estive lembrando os desesperos de entregas de Atelier, que todo estudante de Arquitetura da UFBA sabe beeeeem como é. Aliás, não só o estudante, como a família também, porque a mobilização é tanta que a casa toda participa. As viradas de noite, os litros de café e quilos de biscoitos, salgadinhos e trash-food consumidos ansiosamente nas madrugadas! Sem falar nos surtos de besteirol...Todo mundo que trabalhou em grupo noites a dentro sabe bem que tem aqueles momentos de ataque de bobagens e são normalmente os momentos mais divertidos de todo o processo. Tem também aquele momento de papo cabeça, ou de compartilhar coisas íntimas, histórias da vida. Esses aí são os momentos que mais aproximam as pessoas e que reforçam os vínculos, penso eu.
Lembro das noites e noites na casa de Mateus. Duvido que alguém que lembre daqueles momentos tenha registrado na memória alguma sensação de sofrimento. Que nada... mesmo com a corda no pescoço, o dia nascendo, a maquete toda torta e o choro nervoso de descobrir que a entrega foi adiada e só te avisam na hora...!!!! Hoje quem chorou com certeza tá rindo e lembrando disso tudo com muita saudade.
Sem querer cair no lugar comum dos “bons tempos que não voltam mais”, apenas peguei essa onda pra dizer que nesse período de isolamento acadêmico acabei acessando minhas memórias de corrida contra o tempo...
E sabe o que (mais uma vez) cheguei à conclusão? Sempre dá tempo. Seja o texto que tá capenga, as notas de rodapé que são um saco de fazer, a planta cheia de problemas, o corte sem cotas, a luz que não está bem afinada, a cena que só foi passado uma vez... tanto sufoco... tanta preocupação... e no fim sempre dá certo. Quase nunca da maneira como a gente idealizou, é bem verdade.
O possível e o ideal são categorias que nem sempre andam juntas. Um exercício bom é atualizar o ideal diariamente, respeitando as adversidades e incluindo o imprevisto. Muitos deles aparecem pra sinalizar limitações e, até agora, a maneira mais saudável que eu encontrei pra chegar ao ponto final sem muito sofrimento, é aceitar as pedras no meio do caminho. Elas obrigam à mudança de rota e, muitas vezes, nos desvios a paisagem é muito mais interessante.
Nossa... comecei escrevendo pra falar das férias e vê só onde fui parar!! Hahahah
Pois... é bem disso que se trata: fazer o caminho enquanto se anda. É o que diz a letra de uma música super bonita de um cantor catalão chamado Joan Manuel Serrat, tirada de um poema do espanhol Antonio Machado:
“Caminante, son tus huellas el camino y nada más;
caminante, no hay camino, se hace camino al andar.
Al andar se hace camino y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino sino estelas en la mar...”

Tava com saudade de escrever aqui...
E que venham as férias.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Amor...precisamos dar um tempo...

Ói eu aqui pra dizer que não venho!
Peço desculpas aos que gostam de ter notícias do lado de cá.
Sumi, é verdade...
Verdade maior é que continuarei sumida nos próximos 2 meses.
Culpa dos estudos...só deles.
Juro que não tem nada a ver com o meu jeitinho procrastinador de ser.
Esses malvados tomam meu tempo, minha mente, meus sonhos.
Mas não se preocupem, dentro de pouco estarei livre deles.
Só preciso de um tempo pra aniquilá-los ou, quem sabe, o contrário.
E logo logo vcs terão notícias requentadinhas, mas igualmente saborosas.
Por que a vida por aqui segue.
Por aí também, que eu tô ligada...
Não me esqueçam, não...snif...
(Sempre choro nas despedidas)
Aí fico protelando o fim... 
Já falei da minha dificuldade de terminar coisas né?
Acho que isso também acontece com os trabalhos do Master.
Aliás... acontecIA!
Porque palavra tem poder.
Mas isso é tema de um post que ainda não escrevi, mas um dia escreverei.
Quando eu voltar, prometo.
E me mandem notícias, pelamordedeus.
Desejo tudo de lindo pra vocês.
Como na letra da música que deixo de presentinho,
mas com uma ressalva BEM GRANDE:
A música é linda, mas o vídeo é brega. Hehe
(principalmente as letras brancas que ficam piscando)
Se preferir, feche os olhos e só escute.
Eu volto, viu?

...

Ok...entendi...hora de ir...

Hasta la vista. :)

terça-feira, 9 de março de 2010

Neve na praia

É, pessoal... Sei que dizer coisas assim está cada vez mais frequente, porém, desculpa, é inevitável: sim, o planeta está de pernas pro ar! Secas, enchentes, terremotos, tsunamis, ciclones e por aí vai. E isso é só o começo... quem quiser que duvide. Momento de a gente se voltar pra dentro, começar a encarar o que ainda não teve coragem de enxergar e se dedicar ao trabalho da mente e do espírito.

Pois... no meio desse bafafá climático, não é que, depois de 6 anos, nevou em Barcelona? E não foi nevinha não!! O negócio foi forte. Como não vivo mais lá, deixo aqui links de posts de amigos e de amigos de amigos... Imagens incríveis pra uma cidade mediterrânea como Barcelona.

http://www.flickr.com/photos/27024462@N08/sets/72157623582295452/show

http://jgramacho.blogspot.com/2010/03/neve-em-barcelona.html

http://natasha.mayerhofer.com.br/ 

http://picasaweb.google.com/claudiaetch/NieveEnBarcelona?feat=email#

segunda-feira, 8 de março de 2010

Mulher

08 de Março. Dia da Mulher, aniversário de seu Flores, de Paulinho e do Lado de Cá! Há um ano inaugurei este espaço e o hábito de compartilhar com os que queiram um pouquinho do sinto, vejo e vivo. Sou grata aos que me acompanham, é com vocês que divido o prazer de escrever sobre as dores e delícias da minha aventura cotidiana. Nesse dia de força, deixo com vocês um texto que escrevi há alguns meses, mas que segue totalmente atual.

Engraçado como na vida tem fichas que demoram a cair. Às vezes coisas simples, coisas óbvias, coisas faladas, cantadas em prosa e verso. Estão lá todo o tempo e a gente não vê. Até que um dia… pluft: aparecem. 

A minha caída de ficha mais recente, que na verdade veio caindo em câmara lenta, é a descoberta do poder e da beleza de ser mulher.

Quando falo em poder não me refiro ao uso de artimanhas para conseguir o que se quer. Nunca fiz o tipo que se aproveita do charme feminino para conseguir as coisas (pelo menos conscientemente), ou que se diverte com truques de sedução. E nem tive aquela fase em que a adolescente descobre que tem em suas mãos o poder de comandar todo e qualquer marmanjo com um olhar ou um sorrisinho safado. Não me refiro a este tipo de poder, ainda que reconheça que o temos. 

A constatação que me maravilha no momento é a magia do feminino, é o acolhimento que só a mão de uma mulher é capaz de oferecer à outra, falo da produção de oxitocina que estimulamos umas nas outras, falo de vibrar numa mesma sintonia, de cumplicidade, de compreender pelo que passa a outra porque funcionamos num mesmo software, diferente daquele dos homens. Falo de compartilhar a sabedoria de ser mulher, de ter o dom da doação, da maternidade, do amor incondicional. Falo de compreender os limites físicos, de exaltar a sensibilidade, de acreditar nas intuições e na mãe natureza. Falo do poder da Deusa e da irmandade que nos fortalece sem perder a ternura.

No meu caminho tenho passado por mulheres que têm me dito muito sobre a mulher que sou e mais ainda sobre a que quero ser. E a força que recebo de todas elas é de uma sutileza, de uma “fineza tão fina”, mas tão fina, que só agora começo a perceber que nos encantos do universo feminino só acessam aqueles que têm alma de ouvir e coração de escutar.

Agradeço a cada uma de vocês por serem espelho e parte indispensável do meu aprendizado maior.