quinta-feira, 19 de agosto de 2010

LUGAR DE FESTA É NA RUA

Tarragona está em festa. Passeando pelas ruas coloridas e movimentadas mais uma vez me dou conta do quanto o tema das festas urbanas me move e me faz pensar em muitas coisas relacionadas a este universo. Deu vontade de escrever sobre tantos assuntos que decidi dividi-lo por partes e pouco a pouco ir aportando aqui ideias que seguramente virão surgindo ao longo dos dias festivos que me aguardam do lado de cá.

Parte 1

Assim como no Brasil, desde o começo do verão começam a pipocar pelas cidades, bairros e ruas da Espanha as festas de santos patronos. Aqui na Catalunya elas são chamadas Festas Majors e invariavelmente reúnem alguns elementos típicos da cultura catalã, tais como os Gegants, os Castellers, o Correfoc, a Sardana, comidas populares e mais uma série de micro-eventos que levam milhares de pessoas às ruas. Algumas delas são festas de bairros, organizadas pelas paróquias, outras são festas que envolvem toda a cidade. Em Barcelona, por exemplo, a mais importante celebração de bairro é a Festa de Gràcia, que está acontecendo desde o sábado passado e vai até o próximo (de 15 a 21 de agosto). Nela, os moradores e instituições culturais, em parceria com a prefeitura, se envolvem na decoração do bairro, na programação da festa e aí proporcionam, a cada ano, uma ampla oferta de atividades direcionadas ao mais variado perfil de público.

Hoje, em Tarragona, se celebra o dia do San Magí, santo cuja lenda lhe atribui a responsabilidade pelo nascimento do Rio Gaià, uma das duas fontes de água doce que servem a cidade através de aquedutos. Assim, hoje se celebra aqui o dia da água.

Em setembro se comemoram, tanto em Barcelona quanto em Tarragona (e nas demais províncias catalanas) as principais Festas Majors, que são as dedicadas às santas padroeiras das cidades: a N. Sra. da Mercè e a Santa Tecla, respectivamente (a esta última gosto de chamar de N.Sra. dos Computadores ou do Piano).

O padrão das festas é o mesmo, o tipo de eventos que elas oferecem, também. Mas o que me chama a atenção nelas é o seu caráter democrático: seja nas apresentações dos Castellers que acontecem normalmente pela manhã e tarde ou no show de rock que vara a madrugada até o raiar do sol, há espaço pra crianças, adultos e velhos. Também a participação de famílias inteiras nas manifestações populares tradicionais é algo muito forte e bonito de se ver. De uma maneira geral o que me toca é ver a maneira como as tradições são tratadas, inseridas na vida do cidadão desde o seu nascimento e mantidas geração pós geração. 

Caminhando por essa cidade em festa impossível não conectar diretamente com as ruas de Santo Amaro em plena Lavagem da Purificação. Ali, como em muitos outros pontos do nordeste em festa de padroeiro, não há como negar que o calor humano tem outra vibração muuuuito mais intensa que até mesmo da máxima euforia catalã. Da mesma maneira, não tem como negar que essa festa, tão presente no meu imaginário, me aquece muito mais o coração que qualquer tradição catalana, por mais bela que seja. 

Mas esse mesmo coração que se esquenta ao acessar certas memórias se ressente de ver os rumos que vêm tomando as nossas festas tradicionais. O trio elétrico que suprime o cortejo de baianas é o reflexo mais explícito da nossa cultura posta a venda há décadas. E da maneira mais estúpida possível. A primeira coisa que você vê quando vai se aproximando da zona da festa são as faixas, cartazes, bandeirinhas e balões do patrocinador oficial: invariavelmente uma marca de cerveja. Vender a festa é o primeiro requisito pra realização de qualquer evento de rua no Brasil, de maneira que a equipe de marketing é a primeira a começar a trabalhar na etapa de preparação. Se não se vende bem, a festa é fraca, porque as atrações que podem ser contratadas não são “das boas”. O gráfico que afere a qualidade da festa aponta que a distância do local de origem das bandas convidadas é diretamente proporcional à satisfação do público, ou seja, de quanto mais longe vêm, melhor. Atração local, seja um grupo musical, de capoeira, maculelê, ou seja o que for, só agrada aos que vêm de fora em busca do exótico. 

Infelizmente, essa desvalorização da própria cultura é uma prática comum nas nossas festas de rua (aqui me refiro principalmente às festas da Bahia, já que não conheço outras o suficiente pra falar a respeito). E quando falo em “própria cultura” excluo enfaticamente da lista os fenômenos locais do axé, pagode e adjacências, que ao meu ver são a mola propulsora da indústria que se dedica à banalização e comercialização generalizada e que pouco a pouco vai conseguindo acabar com nossas festas. 

É... o que é saudade não deixa de vir com uma pontinha de revolta. A histórica falta de uma política cultural que protegesse a nossa memória ainda se faz muito presente no nosso modo de festejar. Isso sem nem falar da violência urbana, que transforma os eventos de rua em verdadeiros campos de batalha.

É realmente uma pena. Por sorte, e pra salvação de muitos, nem tudo está perdido. Ainda que uma esmagadora maioria se mantenha seguindo cegamente o que dita o “mercado cultural”, se soubermos procurar, ainda se pode encontrar nas nossas festas focos de resistência de um bom samba-de-roda ou uma batucadinha despretensiosa e contagiante de deixar qualquer catalão morrendo de inveja. Maíra e Milena que o digam!

Um comentário:

  1. poxa... isso dava uma boa discussão (e eu nem gosto disso, né)... mas seria tão grande que via post dá até preguiça... um dia qdo a gente se encontrar, ser nos lembramos a gente discute... Bjos e saudade

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